Publicado por: Revista Fato, em 23/06/2020 - Categoria: MINAS GERAIS
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Hospitais em Barbacena, Viçosa, Juiz de Fora, Carangola, Cataguases, Muriaé e Ubá enfrentam dificuldades para comprar medicamentos sedativos, utilizados em pacientes durante cirurgias e também naqueles que estão na Unidade de Tratamento Intensivo (UTI), inclusive em casos de Covid-19.
No levantamento realizado pelo G1 e TV Integração nesta terça-feira (23) junto aos hospitais da região, foi relatado aumento de mais de 500% no valor dos medicamentos, atrasos na entrega e mudanças no protocolo de tratamento por causa da escassez de determinados remédios.
As instituições relataram que apesar de terem dinheiro para realizar a compra, muitas vezes não encontram a substância para venda.
A compra destes remédios é realizada direto entre as instituições e as distribuidoras farmacêuticas, sem necessidade de intermédio do Estado ou da Secretaria Municipal de Saúde.
Alguns hospitais, como o São Sebastião, em Viçosa, só têm estoque para 15 dias, caso não consigam realizar novas compras.
A situação coloca em risco a realização de cirurgias, a admissão de pacientes em UTI e a realização de entubação para receber a ventilação mecânica.
O G1 apurou que os medicamentos que estão em falta no mercado são sedativos opióides, como Fentanil, Sulfentanil, Alfentanil; os anestésicos Cetamina e Dextrocetamina; sedativo benzodiazepínicos, principalmente o Midazolam e bloqueadores neuromusculares, como Suxametônio, Rocurônio, Atracúrio, Cisatracúrio e Pancurônio.
A reportagem entrou em contato com os laboratórios farmacêuticos Cristália e União Química, apontada pelos hospitais como as principais fornecedoras do Fentanil e Midazolam.
Em nota, o Cristália, que abastece 95% dos hospitais brasileiros, informou que em razão da utilização no tratamento de pacientes internados com Covid-19, a demanda de alguns dos produtos quadruplicou quando comparada com a média antes da pandemia e tem o compromisso de encerrar junho sem nenhum pedido pendente.
“Neste momento de aumento no número de solicitações, estamos fornecendo uma quantidade limitada de produtos de forma que os hospitais estejam abastecidos, mas sem grandes estoques, pois nesse caso correríamos o risco de deixar algum hospital sem o medicamento necessário”, afirmou a assessoria do laboratório em trecho da nota.
A empresa reforçou que “está empenhada no atendimento das demandas”, tem capacidade de suprimento e deixou de exportar esses produtos para garantir a demanda do país. O laboratório afirmou que, entre os meses de março e maio, a produção foi ajustada para abastecer todos os leitos de UTI do Brasil. Do catálogo de mais de 200 medicamentos produzidos pelo Cristália, 12 são utilizados em UTIs no tratamento do coronavírus.
O laboratório União Química informou que, sobre a disponibilidade de Unifental (Citrato de Fentanila) e Dormium (Midazolam) no mercado, “não há falta de medicamentos de seu portfólio da linha hospitalar e que os principais hospitais do país continuam sendo atendidos normalmente”.
Veja abaixo a situação dos hospitais nas principais cidades da Zona da Mata e Campo das Vertentes.
Em Viçosa, o Hospital São Sebastião enfrenta um dos cenários mais críticos das regiões. A responsável pelo setor de compras da instituição, Marciana Emília Lucchesi, informou que em 28 anos que atua no hospital nunca viu nada parecido.
“Nunca passei tanta dificuldade para compra em todos estes anos que atuo neste hospital. Temos o dinheiro para comprar, mas ninguém nos responde. O Hospital São Sebastião, graças a Deus, não tem nenhum paciente internado com Covid-19. Nosso CTI está sem pacientes, mas é preocupante, nossa unidade neonatal atende toda a região. Como você interna uma criança, um paciente, nessa situação?”, contou Marciana.
Conforme Lucchesi, a maior dificuldade está em encontrar doses maiores do Fentanil, porque este medicamento praticamente zerou no estoque.
Marciana explicou que entrou em contato com dez laboratórios, desde a última sexta-feira (19), para conseguir os sedativos, mas nenhum respondeu o hospital até segunda-feira (22). A preocupação é que, se não conseguir realizar uma nova compra, a instituição só terá estoque para mais 15 dias.
A reportagem também entrou em contato com a Prefeitura de Viçosa, que informou que no outro hospital da cidade, o São João Batista, o estoque de sedativos, anestésicos e bloqueadores neuromusculares para tratamento de pacientes em UTI é satisfatório.
Em Barbacena, a Prefeitura informou ao G1 que os hospitais relataram a falta desses medicamentos.
A TV Integração entrou em contato com o Hospital Ibiapaba, que confirmou que está com “alguma falta” de sedativos, anestésicos e bloqueadores neuromusculares.
O Ibiapaba informou que o que está acontecendo é uma escassez comercial e os farmacêuticos do hospital estão trabalhando junto com o corpo clínico para definir novos protocolos de tratamento para que consigam dar continuidade na assistência dos pacientes.
Além da dificuldade na falta destes insumos, o hospital explicou que também sofre com a a alta de preços dos mais variados medicamentos, inclusive de alguns que não são utilizados para pacientes com síndrome respiratória aguda.
O Ibiapaba informou que, no momento, não registra a falta total nos estoques, mas a situação tem sido de atenção permanente.
O Hospital Regional da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig) de Barbacena informou que não há desabastecimento no local, mas um “contingenciamento e o remanejamento do estoque” e que em alguns casos, há a substituição terapêutica por outros similares, prevista nos Protocolos Clínicos, caso não tenha o item momentaneamente no estoque regular.
A Fhemig explicou que a aquisições e entregas de insumos e medicamentos são feitas por meio de fornecedores licitados e cadastrados no sistema estadual, por meio da Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão (SEPLAG). Esses itens são distribuídos nas unidades e existe um gerenciamento de estoque, que, por se tratar de uma rede, tende a ser mais robusto.
A reportagem também procurou a Santa Casa de Misericórdia de Barbacena, mas até a última atualização desta matéria, não obteve retorno.
Em entrevista coletiva à imprensa na segunda-feira (22), o prefeito Antônio Almas (PSDB) afirmou que reconhece que esta situação de falta de sedativos tem afetado diversas cidades no país e que Juiz de Fora trabalha com o estoque dentro da margem de segurança.
O G1 procuro os hospitais da cidade. A Santa Casa de Misericórdia confirmou que, assim como os outros hospitais, também enfrenta dificuldade na aquisição dos sedativos, anestésicos e bloqueadores neuromusculares. Entretanto, a instituição não explicou se já realizou mudanças no protocolo de tratamento por causa da dificuldade.
O Hospital Albert Sabin reconheceu que tais medicamentos estão em falta no mercado, mas afirmou que possui estoque para atendimentos dos seus protocolos internos. O hospital pontuou que caso a escassez perdure muito tempo, tais protocolos serão revisados e modificados sem prejuízo ao atendimento prestado aos pacientes.
A reportagem também procurou o Hospital Maternidade Therezinha de Jesus (HTMJ) e o Hospital Monte Sinai, mas até a última atualização desta matéria, não obteve retorno.
O Hospital Casa de Caridade de Carangola também passa pela mesma situação. A reportagem conversou com Michel Lourenço, gestor do setor de estoque da instituição.
Michel explicou que a situação vem sido enfrentada a algum tempo e foi necessário alterar o protocolo de tratamento. O Midazolam, por exemplo, foi substituído em alguns casos pelo Diazepam. Mesmo com as alterações, o estoque de Fentanil e Midazolam da Casa de Caridade tem previsão de durar 30 dias.
“A nossa real dificuldade são os preços astronômicos dos medicamentos. Os recursos são os mesmos que recebemos do Estado, já que somos uma instituição filantrópica mantida pelo SUS. As medicações tiveram um disparo de preço que fica inviável, não só de sedativos, mas de antimicrobianos e outros medicamentos também”, explicou o gestor.
Lourenço explicou que, antes da pandemia, o preço de 2 ml do Fentanil custava, em média, R$2,90 a ampola. Agora, esse medicamento sai em torno de R$18 a ampola, um aumento de 520%. Além de estar muito mais caro, o remédio não é encontrado facilidade e quando consegue comprar, a entrega ocorre depois de 30 dias.
O setor de compra do Hospital de Cataguases informou que também está com dificuldades e possui estoque para 30 dias.
A instituição também afirmou que está sofrendo com o aumento dos preços nas medicações e que alguns itens, como o neurobloqueador Rocurônio sumiu das prateleiras desde o início da pandemia e uma das opções similares à ele, o Atracúrio, foi encontrado com dificuldade e com o valor muito acima do esperado.
Em Muriaé, os hospitais São Paulo e a Fundação Cristiano Varella enviaram um ofício a Secretaria Municipal de Saúde na última semana informando a dificuldade de compra dos sedativos e de outros medicamentos.
Após a notificação, a Prefeitura adotou medidas de distanciamento social ampliado, restringiu o horário do comércio e suspendeu todas as cirurgias eletivas, da rede pública e privada, para evitar um colapso no sistema municipal de saúde.
Em Ubá, o setor de compras do Hospital São Vicente de Paulo informou que está com falta total de Fentanil e dificuldade para aquisição do Midazolam e que estuda protocolos clínicos similares para o tratamento de pacientes.
O Hospital Santa Isabel confirmou que também está com dificuldade para aquisição dos sedativos, anestésicos e bloqueadores neuromusculares, entretanto não informou se irá adotar mudanças no protocolo de tratamento.