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O Estado escolhe onde as pessoas devem morrer, diz secretário de Saúde

Para gestor da pasta em Betim, Augusto Viana, há uma desigualdade perversa na distribuição de doses da vacina contra a Covid-19 pelo governo de Minas entre as cidades

Publicado por: , em 20/05/2021 - Categoria: SAúDE E BEM-ESTAR

Tempo de leitura: 5 minutos

Secretário de Saúde de Betim, Augusto Viana, diz que município é exemplo de eficiência na aplicação da vacina contra a Covid-19 | Foto: Adeílson Silva/Prefeitura de Betim

O desequilíbrio nos critérios adotados pelo governo de Minas para distribuir as vacinas da Covid-19 entre as cidades do Estado, além de estar gerando enorme indignação entre as autoridades municipais, representa grave perigo para a saúde pública dos mineiros. Em entrevista concedida ao portal O Tempo, o secretário de Saúde de Betim, na região metropolitana, Augusto Viana, afirma que o “Estado escolhe onde as pessoas  devem morrer”. Para ele, é preciso ter mais transparência, equidade e agilidade na entrega do imunizante, pois, caso contrário, Minas permanecerá com uma “explosão” de óbitos.

Betim, assim como outros municípios, tem reclamado de uma desigualdade na distribuição de vacinas contra a Covid-19 feitas pelo governo do Estado. Segundo balanço divulgado ontem pela Prefeitura de Betim, a cidade recebeu, até o momento, 121.741 doses do imunizante, o que corresponde a 27% da população municipal, que é de 444.784 habitantes. Enquanto isso, outras cidades receberam um percentual bem maior em relação ao número de moradores, como é o caso de Belo Horizonte, que recebeu 57%, ou seja, 1.439.825 do total de doses distribuídas em Minas. Por que, na opinião do senhor, Betim está recebendo menos doses do que a capital, por exemplo?

Essa é a grande questão que muitos municípios mineiros estão tentando entender. A discrepância é enorme, e não há nenhum critério lógico que sustente essa desproporcionalidade. Constata-se uma desigualdade perversa na hora de distribuir as vacinas aos municípios. Além de BH, Juiz de Fora tem sido privilegiada, já que a cidade recebeu 47% do número de doses correspondentes à sua população total. Já o percentual de vacinas distribuídas para a capital mineira é maior do que a do Estado, que é de 41% em relação à sua população, e superior à do Brasil, que é de 43%. Observa-se que, desde o início da imunização contra a Covid, há um desequilíbrio chocante e permanente na distribuição dos imunizantes, coordenado pelo Estado.

Qual o impacto dessa forma de distribuição para a população de Betim?

Na prática, o que ocorre é que o Estado assume a escolha de onde as pessoas devem morrer. Em Betim, desde o dia 20 de janeiro, quando aplicamos a primeira dose da vacina, 680 pessoas morreram por Covid. Parte desses óbitos poderia ter sido evitada se não tivéssemos uma distribuição desigual de imunizantes. Com essa descoordenação, mais uma vez, recaem sobre os ombros dos municípios a inércia e a desarticulação do Estado, que vemos desde o início da pandemia, inclusive com equívocos na condução na busca pelo equilíbrio da vida e da economia, tendo como um grande exemplo dessa ineficácia o tardio e desencontrado programa Minas Consciente.

Hoje, como está a vacinação da Covid em Betim? Os profissionais de saúde e da segurança já foram completamente imunizados?

Betim é um exemplo de eficiência na imunização da população em relação a doses recebidas, registrando o percentual de 77% de aplicação. Neste momento, estamos vacinando, com a segunda dose da Coronavac, o público de 67 e 68 anos, e com a primeira dose de AstraZeneca a população com comorbidades com idades entre 43 e 48 anos. Ressalta-se, por outro lado, o número insuficiente de doses recebidas. Hoje, 2.500 profissionais da saúde cadastrados continuam aguardando para receber a primeira dose do imunizante. O mesmo ocorre com os 1.300 profissionais da cidade que atuam nas forças de segurança e salvamento. Para esse grupo, recebemos, até o momento, apenas 270 doses do imunizante. Esse é mais um retrato da desigualdade na distribuição das vacinas, que expõe os profissionais de linha de frente a um perigo de morte iminente, o que poderia ter sido evitado.

Então, na opinião do senhor, essa desigualdade na distribuição das vacinas pode se refletir em aumento da mortalidade da população nas cidades menos abastecidas?

Na nossa percepção, sim. Diante do déficit de doses recebidas neste ano, registramos, somente no primeiro trimestre, um aumento de 116% nos índices de óbitos das pessoas com idades entre 40 e 59 anos. Já quando avaliamos a faixa de 80 anos, que foi vacinada em abril, observamos uma queda de 62% na mortalidade nesse grupo de pessoas. Observou-se também a redução de 14% nos óbitos das pessoas entre 70 e 79 anos, no mesmo período, depois de elas terem sido vacinadas. Acreditamos que esses resultados positivos são indícios da eficácia da aplicação das doses que vem sendo feita pela prefeitura. Por isso, lutamos para que Betim receba o imunizante proporcionalmente ao número de sua população, sobretudo porque temos professores, motoristas do transporte público, caminhoneiros, operários, entre outros profissionais, previstos no Plano Nacional de Imunizações e que fazem parte dos grupos prioritários, que ainda não sabemos quando serão contemplados. Até a vacinação de pessoas com comorbidades em Betim está atrasada devido à distribuição desigual dos imunizantes pela Secretaria de Estado de Saúde.

O governo Romeu Zema (Novo) criticou, em abril, municípios por não buscarem as remessas de vacinas em tempo hábil, o que, por consequência, estaria retardando a imunização. Ele também sinalizou que as cidades que vacinassem a população de forma mais ágil receberiam mais doses. Concorda com a afirmação do governador?

Discordo categoricamente. Os municípios têm se desdobrado desde o início do enfrentamento da pandemia. O que percebemos é um Estado desarticulado no combate à doença, que, além de terceirizar responsabilidades para as prefeituras, ainda é alvo de escândalo, com a Secretaria de Estado de Saúde sendo investigada por permitir que parte de seus servidores furasse a fila da vacina. Ou seja, quem deveria zelar para que a vacinação em Minas ocorresse de forma correta e com isonomia é justamente que dá o mau exemplo, privilegiando uns poucos em detrimento da população. Betim é um exemplo de que a fala do governador ficou apenas no discurso. Hoje, municípios com melhor desempenho na aplicação das vacinas, como Uberlândia e Betim, são os que menos doses receberam, proporcionalmente à sua população. Seguindo esse cálculo, Betim tem, hoje, um déficit de 60.979 doses.

Betim, cidade-referência na região de Saúde e que presta assistência a outros 12 municípios mineiros, criou o primeiro Hospital de Campanha do Estado, com capacidade instalada de 120 leitos clínicos, e tem um dos maiores centros de terapia intensiva do país, com capacidade para até 170 vagas. O governo de Minas tem ajudado a custear esses gastos para o tratamento da Covid-19 na cidade?

Quase nada, muito aquém do que deveria. Estamos há um ano e um mês reivindicando o pagamento de diárias para os leitos clínicos abertos exclusivamente para o tratamento da Covid-19. Recentemente, foi editada uma portaria estabelecendo que o Estado custeie esses leitos. O nosso pedido é que o governo de Minas realize o pagamento retroativo, desde o início da abertura do Hospital de Campanha, que foi custeado e está sendo mantido, desde o primeiro dia do seu funcionamento, apenas com recursos municipais. Reivindicamos ainda o custeio das diárias de leitos de unidade de terapia intensiva. Ou seja, precisamos que o Estado assuma o seu papel dentro do Sistema Único de Saúde, o SUS, garantindo a coordenação das ações, o financiamento e, principalmente, a distribuição com equidade dos imunizantes contra a Covid-19. Caso contrário, Minas continuará enfrentando uma explosão de óbitos.

 

Matéria replicada do portal: O TEMPO