Publicado por: Revista Fato, em 29/05/2020 - Categoria: BRASIL
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No final de abril, o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM), ofereceu ajuda aos estados que estivessem enfrentando colapso pela falta de leitos, para o tratamento de pacientes com covid-19. Lá, não há problemas de falta de vagas. A ideia, entretanto, não foi e nem dá sinais de que vai ser colocada em prática.
Mas por que o país que tem um sistema nacional de saúde — o SUS — há 32 anos não consegue evitar que pacientes morram em filas de espera, enquanto outros tem leitos vazios? A ideia encontra resistências práticas, como a transferência de muitos pacientes de uma vez em percursos de longas distâncias.
Segundo o painel de leitos do Ministério da Saúde, existem hoje 34 mil leitos de UTI (Unidade de Terapia Intensiva) no país para tratamento de covid-19. Entretanto, há diferenças regionais gritantes: enquanto capitais já passaram de 90% de ocupação desses leitos, outras não chegam perto dos 50%.
Pernambuco, por exemplo, tem fila de espera para UTI desde o dia 20 de abril. No estado já foram criados 614 leitos para tratamento da covid-19, mas o número ainda é insuficiente: anteontem, 189 pacientes esperavam por uma vaga. Ao lado, os estados de Paraíba e Alagoas não atingiram, até o momento, 80% de lotação de vagas. Ontem, eles tinham 62 e 57 leitos vagos, respectivamente.
O mesmo pôde ser visto no Piauí, onde havia 88 leitos de UTI vagos, enquanto os vizinhos Ceará e Maranhão enfrentavam lotação praticamente máxima dos leitos — os dois estados, ressalte-se, já chegaram a ter 100% de ocupação para tratamento da covid-19.
Situação similar ocorre no Rio de Janeiro, onde na semana passada a fila de espera era de 340 pessoas por um leito de UTI. Enquanto isso, o boletim de domingo da Secretaria de Saúde de Minas Gerais informava 66% de ocupação desses leitos — o que quer dizer cerca de 900 vagas livres.
SUS deveria coordenar
Segundo o professor de Direito e de Políticas Públicas na FGV (Fundação Getúlio Vargas) do Rio e de São Paulo, Daniel Vargas, o SUS (Sistema Único de Saúde), ao mesmo tempo em que garante o direito à saúde para todos os brasileiros, também reconhece e estimula a descentralização para municípios e estados. “E isso cria uma rede de coordenação do regime, que tem como centro o Ministério da Saúde”, explica.
Vargas defende que só o governo federal pode ser protagonista nessa gestão de leitos e profissionais durante a pandemia do novo coronavírus. “A doença tem atingido as regiões brasileiras em ritmos diferentes. O natural seria que o Ministério da Saúde orquestrasse o compartilhamento dos leitos vagos, cobrindo o custo de sua utilização ou deixando o valor como ‘crédito'”, comenta. “Amanhã, quem cedeu leito hoje pode também precisar do apoio dos demais. Este é o princípio da solidariedade na base do federalismo. Todos ganham com isso”, completa.
Para ele, sem uma coordenação federal, “a tendência é que os estados se voltem para si, cada um se apegando ao seu próprio drama”.
É possível colocar a ideia em prática?
O governador de Alagoas, Renan Filho (MDB), afirma que a estratégia de cessão de leitos de UTI já foi discutida entre governadores do Nordeste. Entretanto, ele explica que só pode ser colocada em prática quando um estado sair da fase mais aguda da pandemia e, por tabela, tiver redução da ocupação hospitalar.
“Todos os estados do país precisaram ampliar a rede ao mesmo tempo, mas ninguém sabe quando será o pico [da doença]. Há suspeitas, avaliações, modelos matemáticos, mas ninguém tem a certeza. Quando se tiver a convicção de que começou a cair, de que não se usará mais o total das UTIs, dos leitos, tenho certeza que Pernambuco, aqui do lado, por exemplo, vai ceder”, diz.
Para Bernadete Perez, vice-presidente da Abrasco (Associação Brasileira da Saúde Coletiva), a ideia da cooperação entre os estados é positiva, mas “o problema é colocar em prática”. “A região integrada e solidária de saúde não avançou enquanto diretriz organizativa do sistema único. Para a covid-19, precisa ser algo mais dinâmico e territorialmente possível e com maior volume de oferta. O mais viável seria uma lista única para toda a capacidade hospitalar disponível, pública ou privada”, diz.
O pesquisador Alexandre Marinho, do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), publicou uma análise sobre a proposta de fila única de pacientes que estão aguardando leitos de UTI.
Ao UOL, ele questionou como seria a aplicação da medida. “Imagine que você tenha um leito no interior de São Paulo e um paciente no interior de Minas? Não é tão fácil ceder recurso de um estado para o outro, por causa das distâncias e meio de transporte.”
Segundo o pesquisador do Ipea, a proposta de fila única seria exclusiva para cidades do mesmo estado. “O que analisei foi a ideia de que cada secretaria estadual gerenciaria a fila única no âmbito do seu estado.”
O que diz o Ministério da Saúde
O Ministério da Saúde informou ao UOL que “acompanha de perto a situação em todo o país” e que “tem atuado em conjunto com as secretarias estaduais de saúde para apoiar as ações de enfrentamento ao coronavírus.”
“A pasta analisa os cenários de evolução da COVID-19 para adoção de novas ações para atendimento da população brasileira”, diz o texto, sem especificar que ações seriam essas.
A nota ainda ressalta que o SUS funciona com a articulação das ações entre governo federal, estados e municípios. “Sendo assim, cada esfera tem autonomia para tomar decisões que estão sob a sua gestão. Os estados e municípios também atualizaram os planos de contingência, considerando as especificidades e o cenário epidemiológico de cada localidade, com as orientações das unidades de referência para atendimento de casos de coronavírus. Esses locais foram escolhidos pelos gestores locais de acordo com a capacidade de atendimento para situações de risco à saúde pública. Os eventuais pacientes devem ser encaminhados aos hospitais de referência definidos pelos estados para isolamento e tratamento”, explica a pasta.
Conteúdo replicado do Portal UOL – Por Carlos Madeiro – Colaboração para o UOL, em Maceió.