Publicado por: Revista Fato, em 15/06/2020 - Categoria: SEM CATEGORIA
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Operadoras de telecomunicação e empresas de TV e rádio estão em uma queda de braço nos bastidores para impedir o 5G de interferir no sinal das antenas parabólicas. Uma das frequências da banda larga de quinta geração será a de 3,5 GHz, próxima àquela em que operam as TVs via satélite. Essa proximidade também deve afetar os serviços de telefonia por satélite. A briga já dura desde o fim de 2018, mas ganhou contornos mais nítidos recentemente. Por conta da pandemia, os testes de campo propostos pelas teles ficaram inviabilizados. Então, a Anatel considerou a solução insuficiente e já começou a estudar uma forma de implantar a alternativa sugerida pelas TVs —que é muito mais cara,mas mais abrangente.
As duas opções na mesa têm custos que variam de R$ 456 milhões a R$ 7,8 bilhões. Esse dinheiro virá do valor pago na licitação do 5G, o que diminuirá o que sobra para investir em infraestrutura de banda larga em lugares com conexão ruim. A escolha, portanto, é usar o dinheiro para ampliar a inclusão digital no Brasil ou manter uma operação considerada antiquada por alguns.
A exigência de que a implantação do 5G deve resguardar as parabólicas partiu de uma portaria do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações (MCTIC) de janeiro deste ano. A reportagem tenta, sem sucesso, há duas semanas conversar com o representante da pasta para o assunto.
Para a Anatel, essa exigência limita a operação do 5G. “É como se a gente estivesse condicionando o acesso da sociedade a um supercomputador para proteger máquinas de escrever. Esse é o ponto. Será que a política pública do governo é acertada?”, afirmou um alto executivo da Anatel que não quis se identificar.
“Uma restrição —não no sentido pejorativo, mas no matemático— foi imposta na portaria que define a política pública. A equação 5G ficou condicionada a uma restrição”, limitou-se a dizer o presidente da agência, Leonardo Euler de Morais.
Diferentemente das TVs abertas ou da telefonia celular, as TVs por parabólica não são um serviço de radiodifusão, como o primeiro, nem de telecomunicação, como o segundo. Elas são um arranjo adotado pelo setor para ampliar o alcance de seu sinal a maiores distâncias sem implicar em custo maior.
O sinal de TV aberta captado pelas antenas parabólicas é transmitido via satélite, da central para suas afiliadas e retransmissoras, além de residências que compraram o equipamento. A solução é barata (basta um receptor e uma antena parabólica), o que facilitou a adesão. Como é enviado de um satélite a 35 mil km de distância, o sinal chega fraco, e os equipamentos atuais já trabalham no limite.
Quando o 5G chegar, esse equilíbrio frágil não vai sobreviver por conta da proximidade dos sinais entre essa tecnologia e a TV por satélite. Os problemas de convivência serão ainda maiores porque o 5G exigirá a presença de muitas antenas.
Telefônicas: para as empresas do setor, a tecnologia existente já impede a interferência e poderia ser aplicada só onde existir problema. Isso diminui os custos de mitigação, que, na prática, serão pagos pelo Tesouro. Além disso, não poupam críticas à manutenção de um serviço instável às custas de outro.
Quando você migra para uma outra banda, leva 100% dos usuários [do serviço]. A mitigação vai atuar onde houver interferência. Não sei se você já assistiu TV por satélite, mas, quando chove, some o sinal. A nossa preocupação é com a sociedade, que terá um custo maior por um serviço cuja instabilidade é muito alta.
Marcos Ferrari, presidente do Sinditelebrasil
Há uma escalada mundial do serviço móvel pessoal [telefonia celular] em direção à banda C [faixa das TVs por satélite, que vai de 3,7 Ghz a 4,2 Ghz] e levando todas as faixas no caminho.
Luiz Carlos Abrahão, diretor de tecnologia da Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão).
Se não fizer [a migração] agora, vamos fazer para daqui a quatro, cinco anos. Por mais que seja custosa, é uma solução definitiva.Wender Souza, engenheiro da Abratel (Associação Brasileira de Rádio e Televisão)
Já há gargalos regulatórios estruturais. Com a crise, veio tornar a visão ainda mais difícil de longo prazo. É recomendável que deixe baixar a poeira antes de pensar em trabalhar futuramente o 5G.Marco Ferrari