Publicado por: Revista Fato, em 29/06/2020 - Categoria: SAúDE E BEM-ESTAR
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No início da pandemia de coronavírus, houve uma corrida às farmácias em busca de álcool em gel e máscaras. Passada essa fase, clientes procuram as lojas para realizar testes rápidos de Covid-19 e tirar a dúvida se já tiveram contato com o coronavírus. Cerca de 97,5 mil testes foram realizados nas farmácias brasileiras, e Minas Gerais só está atrás de São Paulo no ranking de Estados com mais testagem: foram aproximadamente 25,6 mil testes, segundo levantamento da Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias (Abrafarma).
Dos testes realizados no Brasil, cerca de 15%, ou 14,5 mil exames, tiveram resultado positivo. Minas, que, de acordo com dados do Ministério da Saúde, é um dos Estados com menos contaminações por coronavírus a cada 100 mil habitantes, tem uma taxa de 11,5% de positividade, menor que a nacional. No Brasil, 569 farmácias oferecem a testagem, 113 delas em Minas.
A rede de farmácias Araújo é responsável pela maior parte dos testes no Estado, tendo realizado cerca de 20 mil, entre 82 unidades. O serviço começou a ser oferecido pela rede no dia 18 de abril e o número de pacientes com resultado positivo tem aumentado nas últimas duas semanas, conforme detalha Isabel Dias, coordenadora técnica do setor farmacêutico da rede: “Na semana passada, o percentual de positivos subiu muito e ficou entre 15% e 17%. Começamos com percentual de 7% a 8%”.
A taxa atual é similar à apresentada pelos testes rápidos aplicados pelas prefeituras de cidades mineiras. Dos 119.974 testes sorológicos realizados pela rede pública, 20.191, ou quase 17%, tiveram resultado positivo, de acordo com a Secretaria de Estado de Saúde (SES-MG).
Em duas semanas, desde que iniciou a testagem, a única unidade da drogaria Pacheco que oferece os testes rápidos em Belo Horizonte realizou aproximadamente 200 exames — foram 300 no Estado, contando as unidades de Juiz de Fora, Montes Claros e Sete Lagoas. Segundo Rony Carvalho, gerente regional da rede, o público predominante tem sido de pessoas que precisam manter a rotina fora de casa e se preocupam com a contaminação. “Temos visto um público de 25 a 50 anos, que já está saindo um pouco mais devido a assuntos particulares, a trabalho, ou teve contato com alguém que teve resultado positivo para Covid-19”, lista. Por proteção aos clientes, ele prefere não especificar a porcentagem de testes com resultados positivos.
O empresário Glaucio de Sousa Júnior, 40, recorreu a um teste rápido por ter tido contato com alguém contaminado. “Meu cunhado fez o teste e deu positivo, e meu filho teve contato com os dele. Nos laboratórios, só tinham disponibilidade na semana que vem e minha esposa não queria esperar”, conta. No mesmo dia do resultado do cunhado, ele, a esposa e o filho, de 6 anos, procuraram uma farmácia, mesmo sem apresentar sintomas. O resultado, negativo, trouxe alívio.
Cada farmácia tem um protocolo para a testagem: na rede Araújo, por exemplo, o cliente não precisa agendar horário, enquanto na Pacheco é necessário agendamento e só é feito um teste a cada 50 minutos, em média. Os fornecedores do exame e o preço também variam — na Araújo, o valor vai de R$ 230 a R$ 250, dependendo do tipo de teste, e, na Pacheco, é R$ 169. O presidente da Abrafarma, Sérgio Mena Barreto, explica que a associação não tem uma média de preços dos testes pelo Brasil, porém diz ter notícia de exames que saem a R$ 150.
Testes rápidos de farmácia são apenas parte do diagnóstico de Covid-19 e não oferecem 100% de confiabilidade, apontam médicos
Há pouco mais de um mês, o administrador Paulo Vilela, 30, foi a uma drogaria ser testado. Com resultado positivo, mas desconfiado por não apresentar sintomas, ele fez mais um teste do mesmo tipo em outra unidade da rede e o resultado saiu negativo. Quando conseguiu realizar um teste do tipo PCR, mais preciso, em um laboratório privado, o resultado veio negativo novamente, e só então Paulo se sentiu aliviado.
“Não me deu medo, mas um transtorno danado, porque eu tenho um bebê de nove meses e tive que ligar para a minha esposa para ela correr na farmácia e fazer um teste também. Gastei quase R$ 1.000 com três testes de farmácia mais o de laboratório, por conta de uma informação inexata. Até o resultado do laboratório sair, ainda fiquei quatro dias em casa parado, isolado da minha família”, lamenta.
De acordo com Isabel Dias, coordenadora técnica do setor farmacêutico da Araújo, onde ele fez os testes rápidos, o entendimento dos profissionais sobre a leitura dos exames está evoluindo ao longo do tempo e, há um mês, não estava tão preciso a todos quanto agora — o resultado é lido “no olho”, portanto os aplicadores precisam identificar exatamente a marcação no aparato usado no exame para entender se ele detectou anticorpos no organismo do cliente.
Ela também lembra que os testes para qualquer doença não são 100% precisos, especialmente para um patógeno novo, como o coronavírus, e que existe chance de 2,5% de resultado falso negativo de de 5% de falso positivo no teste utilizado pela rede. “(O cliente) pode ser caído nisso”, diz.
Os testes rápidos oferecidos em farmácia são diferentes dos exames feitos em laboratório. Em vez de detectar a presença do vírus no organismo, como os testes conhecidos como PCR, eles procuram dois tipos de moléculas de anticorpos no sangue: o IgG e o IgM. Os anticorpos IgM atuam no combate ao vírus durante a fase ativa da doença, portanto a presença deles indica que a pessoa está infectada. Já os anticorpos do tipo IgG surgem após esse momento, indicando que o paciente teve contato com o coronavírus, mas não está mais doente. Existem opções de testes rápidos que detectam a presença de apenas algum dos tipos de anticorpos e outros que fazem uma busca dos dois.
A infectologista e professora da Universidade Federal de Ouro Preto, Carolina Ali, pontua que a dinâmica dos anticorpos é conhecida para outras doenças, mas, no caso do coronavírus, ainda não foi entendida completamente pelos pesquisadores.
“Claro que temos que facilitar o acesso das pessoas ao exame, mas isso tem de vir junto a muita informação. Se o teste dá negativo, isso gera uma falsa confiança, porque a pessoa pensa que, se foi negligente em alguma situação e não adoeceu, pode continuar assim. Se vem positivo, ela pensa que já pegou, está protegida e não vai transmitir a mais ninguém”, completa.
A médica lembra que o teste, seja rápido ou PCR, é uma peça no quebra-cabeça que apenas um médico pode montar. “O teste sozinho não é diagnóstico”, concorda Isabel Dias, da Araújo. Já o infectologista Alexandre Barbosa, membro titular da Sociedade Brasileira de Infectologia e professor da Faculdade de Medicina de Botucatu (Unesp), não vê serventia nos exames de farmácia. “A maioria dos testes sorológicos, mesmos os feitos em laboratórios, é muito ruim, serve para jogar dinheiro fora”, afirma.
De acordo com ele, o índice de resultado de falso negativo e de falso positivo pode ser de 50% a 60%. Ele pontua, ainda, que os testes sorológicos disponíveis são de primeira geração, ou seja,os anticorpos detectados ainda seriam os descobertos agora, no começo da pandemia, e não seriam tão específicos ou sensíveis para detectar realmente a presença do coronavírus.
A Câmara Brasileira de Diagnóstico Laboratorial (CBDL) organizou um site em que mede a precisão dos testes de diferentes fornecedores — a sensibilidade dos testes indica o quão precisos são para detectar os anticorpos, enquanto a especificidade mostra o quão apurados são para mostrar se o resultado diz respeito a Covid-19 e não outra doença.
Araújo oferece teste rápido que detecta presença do próprio vírus no organismo
Desde essa terça-feira (23), a rede Araújo oferece mais uma modalidade de teste rápido, além da que busca os anticorpos no sangue. O teste Ag detecta presença do próprio coronavírus e utiliza secreção nasal do paciente, como nos testes PCR, em vez de usar sangue.
Diferente dos testes IgG/IgM, que devem ser procurados após cerca de oito dias do começo dos sintomas ou do contato com alguém infectado, essa modalidade de teste deve ser feita nos primeiros dias de sintomas. “O objetivo deles é o diagnóstico precoce e são promissores”, avalia a professora da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e consultora técnica do Núcleo de Ações e Pesquisa em Apoio Diagnóstico da faculdade (Nupad), Gláucia Andrade.
Estados que mais realizaram testes rápidos em drogarias
Por GABRIEL RODRIGUES | ESTADÃO CONTEÚDO