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‘Morrer de fome ou de vírus’: o dilema de milhões de pessoas, diz economista

No Brasil, 13,6 milhões de habitantes vivem em favelas, e cerca de 95% dependem do trabalho para sobreviver, explicou a economista Dalia Maimon Schiray

Publicado por: , em 27/05/2020 - Categoria: BRASIL

Tempo de leitura: 3 minutos

Legenda da foto da favela: A imensa favela de Paraisópolis, lar de mais de 100 mil pessoas, é cercada por arranha-céus do bairro do Morumbi, um dos mais ricos da cidade. A falta de assistência do governo fez com que a associação de moradores intensificasse os esforços de combate à pandemia de coronavírus. | Crédito: GUI CHRIST

A economista Dalia Maimon Schiray afirma que milhões de pessoas no mundo enfrentam a opção de “morrer de fome ou morrer de vírus” e destaca a necessidade de expandir iniciativas comunitárias e auxílios estatais para enfrentar a pandemia da Covid-19.

Sem essa ação, as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) permanecerão reservadas para as “classes médias”, disse Maimon, coordenadora de pós-graduação do Laboratório de Responsabilidade Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em entrevista à AFP.

P: Quais são as dificuldades para generalizar o confinamento social no Brasil?

R: Um relatório recente da OIT mostra que existem 1,7 bilhão de pessoas no mundo trabalhando no setor informal e que para essas pessoas existe uma contradição entre morrer de fome ou morrer do vírus. Se morrer de fome para mim é certo, vou arriscar não me contaminar pelo vírus e vou trabalhar. As medidas recomendadas pela OMS contra a Covid-19 são principalmente para as classes médias.

Como podemos falar de isolamento social quando a população tem apenas o trabalho como fonte de renda? Temos que ter política de renda, para que as pessoas fiquem em casa. O governo deu R$ 600 durante três meses para 50 milhões de brasileiros, mas esse dinheiro não é suficiente para sobreviver. E como vão lavar as mãos os milhões de pessoas que não têm água em seu domicílio?

P: As favelas são as áreas de maior risco?

R: No Brasil 13,6 milhões de habitantes vivem em favelas (…), e cerca de 95% dependem do trabalho para sobreviver. Há uma grande densidade populacional, residências separadas por becos, e grande número de pessoas vivendo no mesmo cômodo. A probabilidade de contaminação é, portanto, maior.

Uma favela, Santa Marta, fez higienização das ruas, e isso evita o contágio. Isso é o que precisa ser feito pelo governo em todas as favelas. No caso do Rio de Janeiro, as favelas são empoderadas com presença de organizações sociais, têm líderes comunitários, (algumas) têm projetos com financiamento internacional e trocam de experiências. Não é o caso da população pobre do interior do país. Como vai levar cesta de alimentos para o interior?

Outro problema é a educação a distância adotada pelas escolas públicas, porque muitas comunidades não têm internet gratuita. Deveriam pelo menos criar um ou dois pontos para permitir o aceso gratuito. O discurso que se ouve em muitas favelas é para que o setor público invista nelas.

P: No mês passado, o então ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta falou que para combater o coronavírus nas favelas, tem que ter “diálogo” com as milícias ou traficantes que controlam muitas delas. Como você vê isso?

R: Para entrar nessas favelas, tem que passar por eles. Os traficantes não têm contradição com o confinamento. Os milicianos provavelmente sim, porque eles tiram uma porcentagem do comércio local.

 

Matéria replicada do Portal O Tempo